Uma educação baseada em projetos, sem disciplinas estanques,
estimuladora do empreendedorismo e autonomia do estudante e desenvolvedora de
habilidades e competências para este século existe neste momento
Em entrevista do programa Roda Viva, da TV Cultura, ainda nos
anos 90, o escritor norueguês Jostein Gaarder respondeu da seguinte maneira à
pergunta se ele não se interessava por temas do ocultismo ou discos voadores,
ao invés da trivialidade do cotidiano em suas obras: “Isso me parece ser
obrigado a atravessar um rio para buscar água do outro lado”.
Uma educação baseada em projetos, sem disciplinas estanques,
estimuladora do empreendedorismo e autonomia do estudante e desenvolvedora de
habilidades e competências para este século existe neste momento – não é uma
promessa de futuro. E mora no chamado “contraturno” de escolas que realizam
iniciativas interessantes, alguns em parcerias com universidades. Mas gestores
do ensino parecem cegos de tanto enxergá-las.
Muitas atividades extra-curriculares, por exemplo, formam o
cenário ideal para que a tecnologia e os espaços “makers” sejam experimentados,
catalisando a inovação e provocando a criatividade.
Há uma busca desenfreada por inovação no ambiente escolar (de
vocação conservadora). Este movimento não ordenado soa como buscar água do
outro lado do rio. Muitas vezes a instituição desenvolve soluções importantes
na grade extra-curricular. Mas as atividades de “contraturno” foram sempre
discriminadas como ações de menor importância dentro de uma escola conteudista
e pós-industrial.
É como se, no turno, as disciplinas acadêmicas ou
curriculares (Matemática, Línguas, História etc.) fossem a parte importante da
escola e o período de contraturno, a recreação para passar o tempo (Teatro,
Esporte, Desafios Científicos, Jornal Escolar etc.). Muitas escolas certamente
duplicam o fracasso do currículo por mais um período e chamam isso de educação
integral – mas há tantas outras com projetos inovadores.
O auto-boicote é tão grande que nem mesmo sistemas de
avaliação foram desenvolvidos para as chamadas áreas “não-cognitivas” da
educação – afinal, brincadeiras não careciam ser avaliadas.
Os anos 60 e 70, com o surgimento dos Cieps no Rio de Janeiro
e outros projetos de educação integral, pareciam que chamariam a atenção da
sociedade para o lado oculto do cotidiano escolar. Não foi o que aconteceu.
Tais movimentos reforçaram algo positivo, que é a integralidade do ensino –
mas, sem perceber, mantiveram o currículo como o eixo central da escola. A cena
conservadora se reflete até hoje, nos discursos dos candidatos à eleição deste
ano.
Há um desafio ululante maior: como transformar o chamado
“contraturno” na escola em si. E reduzir o tempo de sala de aula, mas não o de
envolvimento do aluno com o conhecimento.
Para isso, há o desafio de montar uma mandala pedagógica de
conhecimentos, habilidades e competências que atenda tanto a necessidade de
compreender a programação de computadores e de se comunicar, como as de se
expressar com conhecimento da Língua Portuguesa e fazer operações matemáticas.
Por outro lado, o vestibular continua vivo e passa bem. Não
há como ignorá-lo. Essa é a principal barreira para um ensino que considera a
habilidade de “fazer” tão importante como a de “pensar”. Mas não deve servir de
bode expiatório para justificar a imobilidade da escola perante as
transformações do mundo. Uma educação menos escolarizada e mais baseada no
“fazer” depende muito da sociedade enxergá-la como transformadora e exigir as
mudanças.
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