MARCELO COELHO - FOLHA DE SÃO
PAULO - 17/04/2013 - SÃO PAULO, SP
`Ora,
francamente`, escreveu Marcos Augusto Gonçalves, nesta segunda-feira, sobre o
tema da maioridade penal.
Ele
tem razão: passamos todos os dias por crianças miseráveis e adolescentes
drogados nas ruas de São Paulo, e quando um deles se torna assassino, surge a
proposta de mudar a idade mínima para a responsabilização criminal.
Marcos
Augusto pede desculpas pelo clichê: a saída está na educação. Novamente
concordo, e concordo também com a impaciência do articulista quanto ao problema
da idade penal em si.
Dezesseis
ou 18 anos? Leio diversos artigos a respeito, e há argumentos que simplesmente
não fazem sentido para mim. Comento um pouco. Diz-se, por exemplo, que o
assunto não pode ser debatido num clima emocional.
Discordo
disso. É natural que, quando um problema chama a atenção, discutam-se as
soluções possíveis. Todo país tem dezenas, centenas de problemas. Depois de um
incêndio, discutem-se as falhas de fiscalização da prefeitura. Seria melhor que
o incêndio não ocorresse. Mas teríamos de esperar um clima de menor comoção
para tratar do assunto?
Quem
reclama da discussão `emocional` sabe que, nesses momentos, o problema é outro.
A saber, o de que está em vantagem a tese do adversário.
Mas
muitas teses simpáticas e liberais também entram em discussão em momentos de
choque. Depois de acidentes em usinas nucleares, cresce o movimento pela
energia alternativa. A tese do desarmamento, nos Estados Unidos, aproveita o
mais recente massacre escolar.
O
que haveria de errado nisso? De resto, todo mundo sabe que até determinada
proposta se tornar lei, passa um tempo considerável. Confia pouco no `debate
racional`, de todo modo, quem acha que só pode travá-lo num estado de
indiferença generalizada.
De
resto, pelo que li, o debate tem sido rico e detalhado. Há argumentos e mais
argumentos contra a diminuição do limite penal, e eu mesmo já mudei de ideia
umas três vezes.
Passo
a outro raciocínio, entretanto, que não me convence, e é dos mais repetidos.
Vai nesta linha: `Vocês querem diminuir para 16? E quando aparecer um assassino
de 15 anos e meio? Diminui para 14? Para 12?`.
Obviamente
esses limites são arbitrários. Mas eles se tornam mais realistas, ou mais
absurdos, conforme uma realidade estatística. Se aumenta muito o número de
criminosos com 16 anos, há argumentos para que essa idade passe a ser
considerada para fins penais.
Não
é o único argumento, claro. Pode-se dizer que aos 16 anos a personalidade de
alguém não está plenamente constituída, e que seus atos não provêm de uma
vontade tão autônoma, tão `responsável`, quanto a de quem tem 18 ou mais.
Tenho
minhas dúvidas sobre isso, mas não importa. Passo a outro argumento. Prender o
adolescente, ainda que em dependências especiais, seria submetê-lo a uma
autêntica `escola do crime` --pois sabemos que as instituições existentes
servem para tudo, menos para recuperar o criminoso.
Escolas
do crime, sim. Mas e a rua? E a favela? E a escola pública? O crime organizado
ensina os seus candidatos em toda parte. O raciocínio se encadeia a outro.
Na
verdade, dizem os criminalistas, pelas leis atuais o menor infrator pode
terminar mais tempo preso (ou `apreendido`, como estranhamente se diz) do que o
marmanjo. De modo que diminuir o limite para 16 anos terminaria, em alguns
casos, beneficiando o criminoso!
Ah,
é? Mas quem defende a maioridade aos 16 anos também quer penas mais pesadas
para os presos atuais. Não adianta dizer que o atual sistema é `bom`, pelo fato
de que depois de poucos anos o assassino com mais de 18 está fora da cadeia.
Chegamos
ao núcleo da questão. No estado atual das prisões brasileiras, é tão bárbaro
prender quem tem 16 anos quanto quem tem 18 ou mais. Todos sabemos disso. O
país não tem moral para exigir respeito à lei quando não tem moral para dizer:
isto é uma prisão, você perderá a liberdade e aprenderá um ofício; trate de se
recuperar.
Quem
pede leis mais rigorosas simplesmente usa um eufemismo: queria que todo
criminoso fosse fuzilado. Quem é contra leis mais rigorosas sabe que, na
verdade, as que existem são outro eufemismo. Falam em `instituição
correcional`, em `presídio`, quando deveriam dizer `campo de concentração`,
`pocilga`, ou `masmorra`.
Antes,
dizia-se `Carandiru`.
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