quinta-feira, 1 de março de 2012

ESPECIAL - Educação a Distância


Luciana Alvarez do UOL, em São Paulo
UOL Educação, 29/02/2012

No Brasil, um em cada sete estudantes de graduação estuda na modalidade a distância, segundo dados do Censo da Educação Superior de 2010. Ao todo, são 930 mil alunos, que representam 14,6% do total de matrículas de graduação do país. Em meio a esse batalhão de estudantes, as instituições particulares se sobressaem: elas somam 80,5% das matrículas de graduação a distância no país, enquanto no ensino presencial essa parcela é de 73%.
As escolas públicas, porém, se preparam para um contra-ataque. Apesar de tímido em relação à oferta de cursos de graduação à distância, os governos estaduais e federal têm investido em iniciativas como a UAB (Universidade Aberta do Brasil) e a Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo). O foco dessas instituições é a formação de docentes, mas, segundo João Carlos Teatini, diretor de educação a distância da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o cenário deve mudar em breve –com as instituições públicas liderando a expansão do EAD, em todas as áreas.
“As matrículas no setor privado deram um salto muito grande entre 2004 e 2008, com um crescimento exagerado. A partir de 2009, quando o MEC começou a fiscalizar esses cursos, o número de alunos de EAD nas particulares caiu”, afirma Teatini. Por isso, argumenta, a tendência é de estabilização no número de alunos nas instituições privadas, com grande potencial de crescimento de oferta no setor público. “Já temos 101 instituições participando da UAB”, diz ele.
A UAB não é uma universidade tradicional, mas um sistema de articulação entre universidades públicas e institutos federais interessados em oferecer EAD. Ela foi criada por um decreto em 2006, mas os primeiros cursos surgiram apenas em 2008 – e as primeiras turmas receberam o diploma no ano passado. Em 2011, a instituição tinha 190 mil alunos distribuídos em 618 polos. Professores e gestores de redes públicas de ensino têm preferência na matrícula, participando de uma seleção separada dos demais candidatos.
Um modelo semelhante é adotado desde 2008 pelas três universidades estaduais de São Paulo (USP, Unesp e Unicamp) e o Centro Paula Souza, que formam a Univesp. Cada universidade decide qual curso será oferecido em EAD, e fica responsável pelo projeto didático. Licenciaturas e Pedagogia têm preferência.
Já foram oferecidos pela Univesp cursos de inglês e espanhol para 11 mil alunos do Centro Paula Souza, e estão em andamento os cursos de licenciatura em Ciências (USP, com 360 vagas) e em Pedagogia (Unesp, com 1.350 vagas distribuídas em 22 polos pelo interior), exclusivo para professores da rede pública. Na lista estão também especialização em Ética, Valores e Saúde na Escola (USP/ mil vagas) e em Ética, Valores e Cidadania na Escola (USP/ 350 vagas) e licenciatura.
Apesar dos poucos cursos oferecidos até agora, Carlos Vogt, coordenador da Univesp, diz que esse início não tem nada de tímido. “As 1.350 vagas de Pedagogia representaram um aumento de 21% no total de vagas de graduação da Unesp, e 6,5% em relação ao total de vagas nas três universidades”, diz ele, que reforça a comparação afirmando que o número de vagas ofertadas para Pedagogia nas três universidades estaduais praticamente triplicou, passando de 745 para 2.095.
Um dos objetivos de longo prazo da Univesp é contribuir, por meio do ensino a distância, para a ampliação efetiva de vagas no ensino superior gratuito do Estado. Além disso, a oferta efetiva de vagas de universidades públicas na modalidade a distância deve colaborar para tornar a graduação a distância não só mais aceita como mais procurada no país.

Curso a distância exige mais dedicação que educação presencial, dizem alunos

  • Para incentivar o estudo, cursos a distância exigem dos alunos mais exercícios e produção de textos
Para muita gente, curso a distância é sinônimo de diploma fácil, rápido e sem grandes exigências. Para a bancária Fabiana Pessôa, 31, também era assim. Até que ela começou, em 2006, a cursar as aulas da graduação em administração a distância na UnB (Universidade de Brasília), um projeto piloto de uma das principais universidades públicas do país.
“Na época, eu já cursava direito, na modalidade presencial, e estava indecisa. Quando soube do projeto da UnB, não tive dúvidas. Pensava que seria uma 'mamata', mas tive que me dedicar bastante”, afirma Pessôa, que hoje exibe os dois diplomas universitários na parede. O de administração veio no fim do ano passado, depois de cinco anos de aulas.
Em princípio, a vantagem do ensino a distância (EAD) para Pessôa era ganhar tempo ao não precisar se deslocar diariamente até a UnB – e ainda poder usar a hora do almoço para estudar. Ela percebeu, porém, que, além de economizar algumas horas do dia, a modalidade exigia um nível de dedicação maior do que a versão presencial. “Eu tinha material para ler e atividades para entregar todos os dias da semana”, conta. “Acho que me dediquei mais ao curso a distância do que ao presencial”, diz a bancária, que afirma ter mais facilidade para estudar sozinha do que em sala de aula, com mais gente.
Quebrando o mito de que os cursos a distância são mais fáceis do que os presenciais, um estudo feito em 2007 pelo Inep (órgão de avaliação e pesquisa do MEC) com base nos resultados do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, que avalia o ensino superior) apontou que os alunos de cursos a distância estavam melhor preparados. Em sete das 13 áreas onde a comparação entre as modalidades foi possível, universitários que estudavam a distância tiveram desempenho superior aos demais.
Para Pessôa, o curso de administração a distância não foi fácil. "Tenho colegas que não ainda se formaram porque reprovaram em algumas disciplinas", diz. Apesar da dedicação ao curso, ela teve de recorrer a aulas presenciais de reforço aos sábados para vencer um dos conteúdos. “Matemática financeira era meu ponto fraco”, conta.  Hoje, a bancária diz sentir-se bem preparada como administradora e acredita que o diploma vai ajudá-la na ascensão profissional. 
Quinta tentativa
Em dois meses, Luiz Ricardo Freitas, 34, terá em mãos seu desejado diploma de administração. Bem-sucedida, esta foi a quinta tentativa de Freitas de se formar na área –ele já havia começado quatro cursos presenciais antes de se matricular em administração a distância na Unopar (Universidade do Norte do Paraná), instituição particular de ensino.
Para poder crescer na carreira administrativa dentro de um grande banco, ele frequentemente aceitava transferências, interrompendo a faculdade. Quando foi nomeado para Ibotirama, cidade baiana de pouco mais de 25 mil habitantes, Freitas pensou que teria de enterrar a vontade de terminar a faculdade. “Pensava que não teria oportunidade de estudar em uma cidade tão pequena”, conta. Um polo de EAD na região, porém, fez com que ele decidisse apostar na modalidade. “Pensei: tem só uma aula por semana, é tranquilo”, lembra.
Quando começaram as aulas, foi um susto. Na cidade pacata, Freitas teve de imprimir um ritmo intenso de estudos. “O curso tinha uma bibliografia extensa, atividades diárias e muita produção de textos. Percebi que essa modalidade exige mais do aluno”, diz ele, que hoje, mesmo sem ter terminado o curso, já vê o resultado do esforço: “Passei em sete provas de certificação interna do banco”, diz. 
Freitas, do alto de sua experiência com cinco cursos diferentes, é categórico: a modalidade a distância permite que o aluno aprenda mais do que nos cursos presenciais. “Antes, eu chegava da faculdade cansado e ia dormir. Então, o que professor falava é o que valia, eu era muito dependente”, afirma. Ele vivenciou ainda outras duas vantagens no EAD: ao ser transferido novamente, não precisou interromper o curso – apenas mudou de polo, mantendo a grade curricular e os professores –, e passou a estudar na hora que queria. “Pude dar mais atenção a minha família. Chegava do trabalho e brincava com as minhas filhas. Depois que elas iam dormir, eu estudava.”
Aulas pela TV
Para Fernanda Gonzalez Saback, 27, não foi a falta de opções de cursos na região que a fez buscar o ensino a distância. Em 2007, Saback morava em Lauro de Freitas, cidade da região metropolitana de Salvador, e estudava para prestar concursos na área jurídica. Para poupar tempo no trânsito –e poder estudar ainda mais-, fez as contas. “Levaria uma hora de carro só para chegar ao curso. Para quem está estudando firme, perder duas horas por dia com deslocamento é tempo demais”, diz.
Por isso, Saback preferiu fazer o curso preparatório em modo “telepresencial”, na rede privada de ensino LFG. Nesse modelo, um professor em outro lugar do Brasil dá uma aula expositiva, transmitida em tempo real para várias unidades da LFG em todo o Brasil, incluindo a de Lauro de Freitas. “Fiz dois cursos nesse sistema. Foram ótimos”, afirma.
Além de facilitar seu deslocamento, ela diz ter gostado da parte didática. “A aula rende mais porque não há interrupção. O professor passa o conteúdo durante quatro horas e responde dúvidas enviadas por email apenas no final da aula”, conta ela, que reforçou o nível de concentração durante o curso. Para Saback, a dedicação às aulas deu frutos: ela foi aprovada em um concurso para a Advocacia Geral da União, cargo para o qual foi convocada em dezembro de 2010.  

Ensino a distância traz flexibilidade de tempo e custo, mas é preciso tomar cuidado; veja dicas

Maior flexibilidade de tempo, de horários de estudo e custo inferior em relação aos cursos 100% presenciais: esses fatores estimulam a procura pelo ensino a distância como alternativa mais adequada à rotina dos estudantes. Mas, como saber se um curso é bom ou não?
De acordo com o censo de educação superior de 2009, os cursos de graduação de EAD (ensino a distância) - aumentaram 30% em relação ao ano anterior, enquanto os presenciais, 12,5%.  Os cursos a distância mais requisitados foram pedagogia, administração, serviço social e orientação, ciências contábeis, matemática, ciências biológicas, história, comunicação social e ciências ambientais e proteção ambiental. Desses, somente os cursos de pedagogia e administração somam 61,5% do total de matrículas na modalidade.
No Brasil, a cultura do ensino e aprendizado a distância é relativamente nova. De 2000 para 2010 a procura aumentou expressivamente. Conforme números revelados pelo MEC, no primeiro semestre do ano passado havia aproximadamente 879 mil alunos matriculados na graduação à distância, quantidade muito superior aos cinco mil inscritos há dez anos.

Método

Segundo o professor João Mattar, especialista em EAD da Universidade Anhembi Morumbi, é preciso atentar mais para a qualidade dos modelos de conteúdo adotados do que para a quantidade, seja de alunos matriculados, seja de instituições de ensino superior a distância. "Sou muito crítico ao formato que a maioria dos cursos a distância disponibiliza para os alunos. Geralmente um professor especialista elabora o conteúdo, em arquivos pdf e PowerPoint, por exemplo, e este é praticamente jogado ao aluno sem que haja a figura de um professor atuando ativamente", diz. "Eles colocam um tutor à disposição de 300 alunos que não é obrigado a ter graduação e recebe salários muito inferiores ao de um professor universitário. Isso é uma precarização do nosso trabalho.”

Modelos

Mas questionar os modelos de conteúdo adotados e também o quadro de profissionais envolvidos no ensino superior não é propriamente uma particularidade dos cursos a distância. "A qualidade da educação superior é díspare. Vale para a presencial e para os cursos a distância. A diferença é que a EAD já vem com um espírito de agregar mais valor, à medida em que preza pela interatividade, discussão, debates. É mais acessível, elimina distâncias, reduz custos. Dessa forma, ajuda a acelerar a educação, a qualidade de ensino e aumenta a rentabilidade', afirma Stavros Xanthopoylos, diretor da FGV online.
Para o professor João Mattar, a educação caminha para um cenário em que não haverá quase diferença entre o presencial e a distância. "As metodologias já estão se misturando, tanto é que hoje as instituições presenciais são autorizadas a ter 20% de sua carga utilizada a distância. Isso é muito interessante, funciona, mas é preciso que o professor esteja vinculado, que agregue conteúdo, que tenha criatividade e apoio para exercitar modelos diferentes", afirma.