terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Tecnologia democrática

Carlos Lordelo 

O Estado de São Paulo, 27/02/2012 - São Paulo SP

Primeiro dia de aula. Nada de professor, trote ou cabeça raspada. Lugar? A sala de um hotel no centro de São Paulo. Oito horas de sábado, 11 de fevereiro. Os 31 calouros do curso a distância de Administração da Faculdade Aiec foram conhecer a estrutura da graduação e o ambiente online onde vão estudar pelos próximos quatro anos. Em comum, têm o discurso de que, sem precisar ir à faculdade todo dia, finalmente conseguirão o diploma. São 21 mulheres. Ana Paula Freitas, de 37 anos, começou a trabalhar aos 17, teve o primeiro filho aos 19. Disse que nunca pôde pagar uma faculdade. Funcionária do call center da TIM, aproveita o que chama “oportunidade única”: a empresa vai bancar 80% da graduação. Dez dias após o início das aulas, Ana Paula disse que a vida de caloura não estava fácil. “Coloco a criançada (ela tem outros dois filhos, de 2 e de 7 anos) para dormir às 9 e meia, ligo o computador e estudo até meia-noite.” 
Ana Paula resume o perfil dos alunos de graduação a distância no País: são mais velhos, mais pobres e precisam ajudar no sustento da casa. Legítimos representantes da classe C, apostam na educação para melhorar de vida. E recorrem à EaD porque conseguem estudar nos horários mais oportunos, sem abrir mão do emprego ou do convívio com a família. A contrapartida: ser organizados e autônomos, já que dependem mais de si mesmos que dos professores para aprender. O ensino a distância não é novidade no País. Já na década de 1930 eram oferecidos cursos profissionalizantes por rádio e correspondência. O Instituto Universal Brasileiro, criado em 1941, está no imaginário de gerações. Capacitou milhares de brasileiros em corte e costura e em eletrônica. 
Enquanto em países como Inglaterra e Espanha, universidades de EaD nasceram já nos anos 1970, o ensino superior a distância ainda é adolescente no Brasil: seus fundamentos só surgiram em 1996, na Lei de Diretrizes e Bases. Mas o adolescente cresce rápido. O número de cursos de graduação saltou de 10, em 2000, para 930 em 2010, segundo o Ministério da Educação. A quantidade de alunos disparou, de 1,6 mil para 930 mil. Resultado: hoje 15% dos universitários estudam a distância. Esse bolo vai continuar crescendo, segundo especialistas, porque somos um país continental onde a oferta de cursos está concentrada em grandes centros. Além disso, chegar à faculdade ainda é privilégio de uma minoria. “Jovens de centenas de municípios onde não há faculdades poderiam ser atendidos por polos de EaD”, diz o consultor João Vianney, que criou e coordenou o laboratório de ensino a distância da Federal de Santa Catarina. 
Não há modelo único para a EaD no ensino superior no País, mas entre as regras que precisam ser respeitadas por todas as escolas está a obrigatoriedade de realizar, presencialmente, avaliação, estágios, defesas de trabalhos ou práticas em laboratório. Na Aiec, por exemplo, os alunos resolvem quatro exames por semestre, que valem 50% da nota final. A outra parte da pontuação é atribuída de acordo com trabalhos, estudos de caso e exercícios. No dia 10 de março haverá o segundo encontro da turma, com atividades em grupo e aplicação dos primeiros testes. O técnico em contabilidade Sérgio Bernardo Moraes Júnior, de 52, é um dos mais velhos do grupo de novos alunos da Aiec em São Paulo. Ele veio transferido da Upis, faculdade particular mantida pelos mesmos gestores da Aiec em Brasília. Está pegando matérias de três períodos diferentes - e espera que desta vez consiga pegar o diploma. Assim que terminou o então ensino médio, Sérgio ingressou em Engenharia Civil na Unicamp. Após dois anos de curso, seu pai sofreu um acidente. Sérgio voltou a capital para cuidar do pai e assumir o escritório de contabilidade da família. Não conseguiu retornar para a Unicamp e só por volta de 2004 decidiu começar a estudar Administração, no Mackenzie, à noite. "Mas não seguia o horário pleno porque não conseguia chegar para a primeira aula", explica. 
Três anos e meio depois, recebeu uma proposta de emprego e mudou-se para Brasília. Após adaptar-se à nova cidade, matriculou-se na Upis. Fez três períodos, dos quais apenas um completo. Trancou o curso. Ficou desempregado, reabriu a matrícula. Estudou mais dois meses e chegou um convite para voltar a São Paulo, em meados de setembro do ano passado. "Eu tinha me saído muito bem na primeira avaliação e não queria jogar a nota fora. Tentei negociar com a coordenação para eu só fazer as provas do segundo bimestre, mas não deixaram, claro. Aí me sugeriram estudar a distância." Finalmente na Aiec, Sérgio vê nos colegas um problema parecido com o dele: a falta de horários para frequentar uma universidade. "Uma coisa é você fazer faculdade aos 18, 19 anos, quando não tem tanto compromisso", lembra. "O que leva as pessoas à EaD é o tipo de vida que elas levam. Não acredito que seja a primeira opção de cara." 
Restrições - O MEC financia universidades públicas que já ofereciam graduações a distância por meio do programa Universidade Aberta do Brasil, hoje com 131 mil alunos. Mas impõe restrições à expansão da EaD. Exige, por exemplo, que os cursos tenham polos presenciais. Desde 2007, controla com mais rigor a abertura de cursos e é mais exigente em relação a infraestrutura e material didático. “A oferta de um curso a distância não ocorre pela mera transposição de um projeto de curso concebido para ser ofertado presencialmente”, afirmou o MEC, em nota. O sergipano Márcio Smith, de 22, admite que buscou a EaD achando que seria mais fácil. “Entramos eu e mais dois amigos. Eles desistiram no primeiro semestre, eu passei com dificuldade. Percebi que precisava encarar a faculdade de outra maneira.” Ele faz a graduação tecnológica em Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Estácio. Começou no polo de Aracaju, mas recebeu proposta de emprego e mudou-se para Lajeado (RS). Desde o ano passado vive em São Paulo e, mesmo sem diploma, já assumiu a gerência de TI da academia Companhia Athletica no Morumbi, zona sul. “Ganho o triplo do meu salário de Aracaju e trabalho menos. E ainda estudo na hora em que eu quiser.” Ele cola grau no fim deste ano.Preconceito - A percepção de que a EaD é uma opção de segunda linha se choca com dados do Enade, prova que mede o  rendimento dosestudantes da graduação. Em 2009, o MEC divulgou pela primeira vez uma pesquisa que comparava o desempenho de universitários nas modalidades presencial e a distância. Os formandos em EaD tiveram, em geral, 6,7 pontos a mais no exame que seus colegas de cursos presenciais em Administração, Matemática, Pedagogia e Serviço Social. Mesmo diante de resultados como esse - e do fato de que o diploma não indica a modalidade do curso -, há empresas que evitam contratar graduados em EaD. Um preconceito que, segundo especialistas em RH, vai desaparecer conforme o mercado ganhe profissionais mais habituados ao uso das tecnologias de informação e comunicação. “As companhias vão dar menos importância à modalidade, mas vão continuar querendo saber em qual instituição o candidato se formou”, diz Irene Azevedo, diretora de negócios da consultoria LHH/DBM.
Por outro lado, a professora da FEA-USP e da FIA Tânia Casado vê com reservas a EaD. Segundo ela, ainda existe no Brasil uma “cultura de sala de aula” muito forte, em que o aluno deposita suas expectativas de aprendizagem nas mãos dos professores. “Em que medida o estudante brasileiro, de qualquer idade, está maduro para o ensino a distância, quando não temos a cultura da autonomia nos estudos?”, questiona a especialista em carreiras. “Além do mais, trata-se de uma modalidade nova, sem metodologias consagradas.” Se a graduação a distância ainda enfrenta obstáculos, outros cursos estão na moda. As empresas apostam na EaD em suas universidades corporativas para treinar funcionários espalhados pelo País. O engenheiro paulista Cícero de Almeida Falcão, de 54, concluiu no fim do ano passado o MBA em Gestão Internacional de Projetos da FGV Online, parcialmente financiado pela Odebrecht. De Ipojuca (PE), ele participava de atividades online com colegas que trabalham em Angola e nos Estados Unidos. “A Odebrecht tem a cultura de espalhar seus funcionários pelo mundo. Quis aumentar minha empregabilidade na própria companhia.” 
Ivo Dino Martins, de 46, diz que não conseguiria se formar tecnólogo em Gestão Financeira caso não recorresse à EaD. Piloto particular de um banqueiro, fez atividades do curso da Anhembi Morumbi em hotéis de todos os continentes. “Percebi que tinha tempo, entre uma viagem e outra, para me dedicar a uma faculdade”, diz. “Se a pessoa tiver dedicação, vontade e organização, ela será bem-sucedida num curso presencial ou a distância.” Mercado - A FGV e a Anhembi, onde estudaram Cícero e Ivo, são razoavelmente pequenas num setor em que 7 instituições têm a mesma quantidade de alunos na graduação que a soma de outras 127. A Universidade Norte do Paraná (Unopar) aparece isolada na dianteira, com 130 mil estudantes só na EaD. Há dois meses, foi comprada por R$ 1,3 bilhão pela Kroton, empresa financiada com capital estrangeiro. Enquanto estrangeiros estão de olho no mercado brasileiro de EaD, lá fora a modalidade vive um período excitante, mas nebuloso, como você lê nesta outra reportagem.




No exterior, ensino a distância vive período excitante e nebuloso 

Todas as grandes grifes internacionais do ensino superior já trabalham com EaD 

Sergio Pompeu
O Estado de São Paulo, 26/02/2012 - São Paulo SP

No exterior, a educação a distância vive um período ao mesmo tempo excitante e nebuloso. Todas as grandes grifes internacionais do ensino superior, como Harvard, MIT, Yale, Columbia, Stanford, Oxford e Cambridge, trabalham com EaD. Mas nem sempre o conteúdo tem o formato de cursos que oferecem diploma (há muitas palestras e cursos livres) e rankings como o da revista americana US News and World Report costumam destacar instituições dedicadas apenas ao online, como a Walden University. Filiada à rede Laureate (que controla instituições como a Anhembi Morumbi aqui), Walden tem 48,5 mil alunos de graduação e pós de 140 países, em 65 cursos e 330 especializações. Investidor e consultor da Filadélfia, Kevin Miles está fazendo o doutorado em Administração de Empresas da Walden. Diz que tanto o governo quanto grandes empresas reconhecem a qualidade do ensino da instituição, mas admite que há reservas no meio acadêmico. “Na minha classe há funcionários do governo e de grandes corporações, como Intel e HP”, conta Miles. “Embora alguns acadêmicos afirmem que o diploma de uma universidade convencional vale mais, escolhi Walden por indicação do reitor de uma das escolas de negócios top dos Estados Unidos - graduado em Harvard.” 
No mercado online, por sinal, a questão não é nem saber se os grandes players serão universidades só de EaD ou convencionais. Editoras, empresas de mídia e telefonia despontam como concorrentes. “Pode acontecer com as escolas o mesmo que ocorreu com os fabricantes de celular. Acostumados a competir entre si, não previram que a concorrência viria do iPhone e do Blackberry”, diz o brasileiro Newton Campos, diretor de Admissões da escola espanhola de negócios IE, cujo International Executive foi considerado o melhor MBA a distância do mundo pela revista The Economist. Por causa do quadro descrito por Campos, uma empresa como a Nokia viu seu valor de mercado despencar de US$ 150 bilhões para US$ 20 bilhões. “Um banco pode reunir especialistas e criar um excelente MBA em Finanças. E quem não iria querer fazer um MBA de uma consultoria como a McKinsey?” 
No mercado existe espaço até para “guerrilheiros” como o matemático americano Salman Khan. Formado no MIT, Khan, que começou a publicar aulas na web para ensinar seus sobrinhos, já tem um acervo de 2.700 vídeos sobre assuntos variados. Embora sua academia seja mais voltada para o ensino básico, nada impede que outros sigam a trilha, mais voltados para o ensino superior. Um deles é Sebastian Thrun, especialista em Ciência da Computação que no mês passado abriu mão do cargo de professor titular de Stanford depois do sucesso de seu curso online sobre inteligência artificial, assistido por mais 160 mil alunos. Thrun criou a startup Udacity, para oferecer cursos online a baixo custo. Entre eles um concebido para ensinar pessoas sem experiência em programação a criar um mecanismo de busca, como o Google, para o qual a Udacity espera atrair 500 mil interessados. 
Portais - Não faltam canais para revelar novos Khans e Thruns, como os portais iTunesU, da Apple, YouTube EDU, Fora.TV e Udemy. A questão é: como sustentar o negócio? Nem todos, como Khan, podem contar com o dinheiro de Bill Gates. “Há várias experiências interessantes, mas ninguém ainda tem ‘o modelo’”, diz Campos. Entre essas experiências, Campos cita a Alison, um catálogo de cursos gratuitos online que tira sua receita de banners publicitários. E a Academic Earth, outra queridinha de Gates, que oferece 350 cursos e mais de 5 mil palestras de professores top da nata de universidades americanas sobre assuntos variados, da economia verde à Teoria de Jogos. Bancada inicialmente por professores-investidores, a Academic Earth foi vendida no ano passado para a Ampush Media, empresa de marketing que anunciou a intenção de criar uma rede social a partir do site como meio de alavancar receita. A EaD não enfrenta, porém, só o desafio da economia. Um ponto em comum em experiências fracassadas foi a dificuldade de mudar o professor. Num vídeo publicado no mês passado, sobre suas previsões para o que será a educação em 2060, o próprio Khan chamou a atenção para a importância do novo professor, mais tutor e menos “dono” do conhecimento. “Em seminários, todos os representantes de grandes escolas reclamam da dificuldade de atrair o professor para a EaD”, diz Campos. “O bom é que daqui a cinco, dez anos, muitos desses jovens que hoje reclamam do professor que proíbe o uso do iPhone na classe estarão dando aula. Vão mudar tudo.”


Universidade virtual quer autonomia 
Governo de SP pretende montar estrutura à parte na Univesp, para não depender da USP, Unesp e Unicamp (e de seus sindicatos) 
Carlos Lordelo
O Estado de São Paulo, 27/02/2012 - São Paulo SP

A Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) deixará de ser um programa para efetivamente virar instituição de ensino. O governo do Estado está finalizando projeto de lei que cria a nova universidade, para acelerar a formação de professores e ampliar a oferta de cursos de graduação a distância. A proposta deve seguir até junho para a Assembleia Legislativa, onde o governo tem maioria. Segundo o coordenador da Univesp, Carlos Vogt, a ideia é montar uma estrutura enxuta, com quadro permanente de 40 professores, dos quais 35 doutores e 5 titulares. E um corpo de funcionários técnicos e administrativos de “no máximo” 95 pessoas – neste grupo estão incluídos os tutores, responsáveis por acompanhar os alunos no desenvolvimento das atividades. A equipe ganhará reforços de acordo com a necessidade de preparar cursos e disciplinas. “Contrataremos (professores) por tempo determinado, para cumprir essas tarefas”, afirmou Vogt ao Estadão.edu. Os cursos seguirão o modelo atual, com aulas a distância e encontros presenciais pelo menos uma vez por semana. Depois de criada, a Univesp precisará ser credenciada pelo Conselho Estadual de Educação e pelo MEC, para emitir diplomas. O processo pode demorar entre um e dois anos. Para Vogt, a autonomia permitirá a realização de pesquisas para detectar demandas por novos cursos. “É uma maneira de nós irmos ao encontro da própria cultura da juventude alfabetizada digitalmente.” Greve - O programa Univesp foi lançado em 2008 como um consórcio entre as três universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) em parceria com o Centro Paula Souza e a Fundação Padre Anchieta. A ideia era oferecer cursos de graduação, pós e de educação continuada. 
Na época, o projeto entrou na pauta da greve de professores e servidores. Eles veem na iniciativa o esvaziamento da autonomia universitária e o comprometimento da excelência do ensino superior público. Atualmente, a Univesp tem turmas de duas licenciaturas (em Ciências, em parceria com a USP; e em Pedagogia, com a Unesp) e de duas especializações (em Ética, Valores e Saúde na Escola; e em Ética, Valores e Cidadania na Escola, ambas em convênio com a USP). Também já ofereceu cursos de inglês e espanhol, com 8 meses de duração, a alunos das escolas técnicas e faculdades de tecnologia do Estado (Etecs e Fatecs). Os cursos de graduação e pós são semipresenciais, ou seja, têm atividades online e encontros presenciais (que somam de 35% a 60% da carga horária total). Os alunos também assistem a programas produzidos pela Fundação Padre Anchieta e veiculados no canal digital 2.2, da TV Cultura. A seleção dos estudantes é feita pelas universidades, que formulam o conteúdo das disciplinas e emitem os diplomas. 
Estão em fase final de preparação um curso tecnológico em Processos Gerenciais, em parceria com o Centro Paula Souza, e uma especialização em Formação de Professores de Língua Brasileira de Sinais (Libras), em conjunto com a Unicamp. No País, diz Vogt, o aumento da procura por cursos a distância de formação de professores está ligado à diminuição dessa demanda nas graduações presenciais. “O cidadão quer o diploma, então o Estado precisa oferecer a alternativa do ensino a distância gratuito e de qualidade.” 
Qualidade - Para o presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Frederic Litto, existe uma “atitude elitista” quando servidores e alunos universitários questionam a Univesp. “Em vez de dizer ‘Sim, nós queremos mais paulistas em todo o Estado participando dos cursos’, eles dizem ‘Não, educação a distância não tem qualidade’. Que absurdo! Que comportamento antidemocrático” critica. Bacharel em Geografia pela USP, o professor Rubens Odilon Oliveira Filho, de 32 anos, está fazendo o curso de Pedagogia do programa Univesp. “Todo curso tem problema. Este tem, o da USP também tinha”, diz. Ele voltou a estudar em busca de melhorar a prática de sala de aula e de novas oportunidades profissionais – quer trabalhar com gestão escolar. “O material é de qualidade, os orientadores se preocupam com os alunos e minhas perguntas não ficam sem resposta.” 
O professor Celso Nobuo Kawano Junior, de 25, é aluno da outra licenciatura da Univesp, a de Ciências. Ele se formou em Biologia, em 2007, numa faculdade particular, e foi efetivado no ano passado como professor da rede estadual de ensino. “Biologia me deu formação específica numa área. Com a licenciatura, vou expandir as possibilidades de carreira”, conta Celso, que está no 3.º módulo do curso da USP. “O primeiro módulo foi bem puxado. Estudava de seis a oito horas por dia, e ainda tinha aula presencial todo sábado.” O professor diz que olhava a educação a distância com desconfiança antes de ser aluno. “Agora posso dizer que o nível de exigência, a qualidade dos profissionais, a competência, são no mínimo as mesmas.” Marcelo Ishii, de 26 anos, mora em São José dos Campos, mas tem aulas presenciais da licenciatura em Ciências junto com Celso Kawano, no polo de São Paulo. Professor de física e matemática em escolas particulares, Marcelo quis fazer um novo curso superior para “pegar ritmo” e, depois, tentar o mestrado. “Já tentei fazer um curso presencial aqui mesmo, em São José, mas a obrigatoriedade de ir todo dia à noite para a faculdade, trabalhando o resto do dia, deixava as coisas complicadas”, afirma. Ele estuda pelo menos duas horas por dia na Univesp. “Tenho que organizar o horário certinho, senão eu me perco.”


ARTIGOS


Senado vota projeto que limita a 35 número de alunos por sala 
No fundamental, teto será de 25 por turma; decisão de comissão tem caráter terminativo 
Agência Senado
O Estado de São Paulo, 27/02/2012 - São Paulo SP

Logo após a audiência pública que realiza às 10h desta quarta-feira (29), com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para saber os planos da pasta para os próximos anos, a Comissão de Educação, Esporte e Cultura (CE) realiza reunião para avaliar pauta de 12 itens. Entre eles está um projeto de lei do senador Humberto Costa (PT-PE) que estabelece números máximos de alunos por turma na pré-escola e no ensino fundamental e médio. Pela proposta, as turmas de pré-escola e dos dois anos iniciais do ensino fundamental terão até 25 alunos, enquanto as demais terão até 35 alunos. A relatora, senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), apresentou voto favorável à aprovação da matéria. A decisão na CE será terminativa, terá valor de uma decisão do Senado. Quando tramita terminativamente, o projeto não vai a plenário: dependendo do tipo de 
matéria e do resultado da votação, é enviado diretamente à Câmara, encaminhado à sanção, promulgado ou arquivado. Ele somente será votado pelo plenário do Senado se recurso com esse objetivo, assinado por pelo menos nove senadores, for apresentado à Mesa. Após a votação do parecer da comissão, o prazo para a apresentação de recurso é de cinco dias úteis. Outro projeto que será analisado, de autoria do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), cria a bolsa-artista. Ele tem voto favorável da relatora, Lídice da Mata (PSB-BA), e também será votado em caráter terminativo. 
A bolsa tem como objetivo "proporcionar formação e aprimoramento de artistas amadores e profissionais em diversas áreas de atuação", nos campos das "artes literárias, musicais, cênicas, visuais e 
audiovisuais, em suas variedades eruditas e populares". Destina-se ao desenvolvimento das habilidades dos artistas, e não a projetos culturais específicos. Os candidatos precisam ter idade mínima de 12 anos na data da apresentação da candidatura. Os com menos de 18 anos devem estar regularmente matriculados em instituição de ensino ou já ter concluído o ensino médio. A relatora explica que, "para se habilitar à concessão da bolsa, o candidato deve encaminhar, no ato da inscrição, um plano anual de formação ou aprimoramento no campo artístico e cultural em que atuar, contendo currículo, detalhamento das atividades a serem realizadas e os objetivos e metas a alcançar". A bolsa-artista será concedida pelo prazo de um ano.

MPF quer tirar de circulação o dicionário Houaiss 
Marcelo Portela - Agência Estado
O Estado de São Paulo, 27/02/2012 - São Paulo SP

BELO HORIZONTE - O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação na Justiça Federal em Uberlândia (MG) para tirar de circulação o dicionário Houaiss, um dos mais conceituados do mercado. Segundo o MPF, a publicação contém expressões "pejorativas e preconceituosas", pratica racismo aos ciganos e não atendeu recomendações de alterar o texto, como fizeram outras duas editoras com seus dicionários. O caso teve início em 2009, quando a Procuradoria da República recebeu representação de uma pessoa de origem cigana afirmando que havia preconceito por parte dos dicionários brasileiros em relação à etnia. No Brasil, há aproximadamente 600 mil ciganos. Desde então, segundo o MPF, foram enviados "diversos ofícios e recomendações" às editoras para que mudassem o verbete. As editoras Globo e Melhoramentos, de acordo com o órgão, atenderam às recomendações. No entanto, o MPF afirma que não foi feita alteração no caso do Houaiss. A Editora Objetiva alegou que não 
poderia fazer a mudança porque a publicação é editado pelo Instituto Antônio Houaiss e que ela é apenas detentora dos direitos relativos à publicação. Diante disso, o procurador Cléber Eustáquio Neves entrou com ação solicitando que a Justiça determine a imediata retirada de circulação, suspensão de tiragem, venda e distribuição do dicionário. 
"Ao se ler em um dicionário, por sinal extremamente bem conceituado, que a nomenclatura cigano significa aquele que trapaceia, velhaco, entre outras coisas do gênero, ainda que se deixe expresso que é uma linguagem pejorativa, ou que se trata de acepções carregadas de preconceito ou xenofobia, fica claro o caráter discriminatório assumido pela publicação", afirmou. "Trata-se de um dicionário. Ninguém duvida da veracidade do que ali encontra. Sequer questiona. Aquele sentido, extremamente pejorativo, será internalizado, levando à formação de uma postura interna pré-concebida em relação a uma 
etnia que deveria, por força de lei, ser respeitada", acrescentou o procurador. 
Para Neves, o texto afronta a Constituição Federal e pode ser considerado racismo. Ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito desse tipo de situação e ressaltou que "o direito à liberdade de expressão não pode albergar posturas preconceituosas e discriminatórias, sobretudo quando caracterizadas como infração penal". Além da retirada da publicação do mercado, o MPF também pediu que a editora e o instituto sejam condenados a pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais coletivos. A Justiça Federal ainda não se manifestou sobre a ação. A reportagem procurou o Instituto Antônio Houaiss, no Rio de Janeiro, mas a informação foi de que a pessoa que poderia falar sobre o caso não estava no local. Não houve retorno até o fim da tarde de hoje.

Publicação da avaliação de docentes causa polêmica em Nova York
Terra Educação, 27/02/2012


A publicação pela imprensa nova-iorquina do desempenho profissional dos professores da cidade provocou nesta segunda-feira o repúdio enérgico do sindicato de docentes, que denunciou um sistema "pouco confiável" e prometeu enfrentar o prefeito Michael Bloomberg. A publicação do desempenho profissional de 18 mil professores entre as últimas séries do ensino fundamental e os primeiros do ensino médio era impulsionada por Bloomberg e contestada pelos docentes, que questionam o método de qualificação e afirmam que violam seus direitos. Após uma batalha nos tribunais que durou dois anos, vários meios de comunicação locais conseguiram 
com que a justiça permitisse publicar desde a sexta-feira passada a lista completa de professores com nome e sobrenome. Longe de se dar por vencido pela derrota, o sindicato dos docentes saiu na segunda-feira para demonstrar seu repúdio e prometer que continuaria lutando contra a intenção de Bloomberg de "danificar as escolas" nova-iorquinas. 
O presidente da Federação Unida de Professores (UFT, na sigla em inglês), Michael Mulgrew, visitou uma escola no Brooklyn (sudeste) para mostrar seu apoio aos docentes e criticar o sistema de pontuação e sua publicação. "Os relatórios com dados sobre os professores são completamente pouco confiáveis e esta é uma das razões pelas quais estamos hoje aqui para mostrar às pessoas que o que conta é a escola, o que os pais pensam", disse Malgrew, cujo sindicato representa 75 mil docentes da cidade. "Vamos fazer tudo o que pudermos para impedir o prefeito de causar mais danos às escolas da cidade", acrescentou. O desempenho dos professores é qualificado de 0 (baixo) a 99 (alto), de acordo com os resultados obtidos pelos estudantes. O ranking vai de 2007 a 2010. Segundo seus críticos, o sistema de cálculo tem uma margem de erro de 53% nas provas de inglês e de 35% nos de matemática, além de apresentar omissões e erros.


Decisões equivocadas sobre escolas de medicina 
Médicos qualificados doaram o seu tempo para avaliar cursos ruins e cortar vagas; o Conselho Nacional de Educação ignorou o nosso trabalho e recriou todas 
Adib Jatene
Folha de São Paulo, 28/02/2012 - São Paulo SP


O Conselho Nacional de Educação acaba de tornar sem efeito decisões da Secretaria de Educação Superior (Sesu) do Ministério da Educação (MEC) sobre a redução de vagas em cursos de medicina. Até 1996, o país possuía 82 faculdades de medicina, das quais 33 eram privadas (40%). Em 12 anos, entre 1996 e 2008, foram criadas 98 novas faculdades, das quais 68 privadas (70%). Existiam ainda, sob análise do MEC, mais de 50 pedidos de autorizações de novas faculdades, praticamente todas privadas e sem infraestrutura mínima para ministrar um curso médico. 
Em 2008, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) identificou 17 escolas, entre as que tinham formandos, com nota inferior a três (em uma escala de um a cinco). Alarmado com a situação, o então ministro Fernando Haddad, após discutir o problema, concordou em recriar a Comissão de Especialistas do Ensino Médico, presidida por mim e com maioria absoluta de membros da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), inclusive com quatro ex-presidentes. Todos os membros têm ampla atuação e experiência na área. Após uma revisão dos pré-requisitos que a entidade que deseja abrir o curso médico deveria observar, foi explicitado que, como item eliminatório, a entidade teria 
de possuir um complexo médico-hospitalar com pelo menos quatro leitos por vaga pretendida. Seria necessário ter também uma residência médica reconhecida pelo Ministério da Saúde e um pronto-socorro em atividade. Alem disso, a instituição deveria possuir um complexo ambulatorial, contando tanto com unidades básicas com o Programa de Saúde da Família quanto com ambulatórios de especialidades. 

Desse modo, estaria garantido o campo de treinamento e dimensionado o número de vagas. Na hipótese de a instituição não possuir complexo próprio, seria permitido um convênio, por período não inferior a dez anos, sem compartilhamento com outra instituição. Quanto às escolas existentes cujo desempenho no Enade foi insatisfatório, decidiu-se fazer uma visita ao local com pelo menos dois membros da comissão. Eles, após entrevistas com docentes e com discentes e visitas às instalações, avaliaram as condições para a oferta do curso e elaboraram relatórios circunstanciados. Na impossibilidade de indicar o fechamento da escola, optaram por reduzir o número de vagas, deixando o mínimo tolerável, capaz de beneficiar não apenas os alunos, mas também a população que seria atendida pelos egressos dessas escolas. Baseado nesse trabalho sério, de pessoas que 
doaram seu tempo na expectativa de melhorar o ensino médico, foi que a Sesu acolheu as indicações e reduziu o número de vagas em várias escolas médicas. Isso aconteceu depois de ampla discussão com a comissão de especialistas -que, reitero, avaliou com o maior cuidado a situação do ensino nessas entidades. 

De repente, o Diário Oficial da União publica uma decisão por unanimidade do Conselho Nacional de Educação (CNE) restaurando o número de vagas previamente existentes, desconsiderando o trabalho da comissão, que levou mais de dois anos para ser executado -sem nem sequer dar uma oportunidade para nos manifestarmos. Decisões equivocadas como essas servem para desmotivar os que ainda acreditam ser possível corrigir as iniquidades, criadas por influência empresarial ou política, e para reforçar a ideia de que não adianta lutar por dias melhores. Mas ainda há gente neste país que acredita, mesmo com as instituições atuais e com os conselhos suscetíveis a pressões, ser possível avançar. Decisões como a do CNE não nos farão desistir. Elas nos alimentam para continuarmos a luta, que antes de ser nossa deveria ser do CNE. ADIB JATENE, 82, cardiologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina USP e diretor-geral do Hospital do Coração. Foi ministro da Saúde (governos Collor e FHC).


O ensino superior no país está crescendo 
É preciso um olhar enviesado para defender o oposto; em SP, há, com a criação da UFABC e as expansões da Unifesp e da UFScar, bem mais vagas federais 
Jorge Guimarães
Folha de São Paulo, 27/02/2012 - São Paulo SP

À primeira vista, o artigo publicado na Folha de 23 de fevereiro assinado pelo diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique Brito Cruz ("A parada no crescimento do ensino superior"), pode até assustar. Não é preciso. Suas inferências e conclusões, na verdade, decorrem de um olhar enviesado dos dados do último censo da educação superior. Trata-se de uma estranha análise vinda de um físico renomado, que ainda serviu de base para o editorial publicado em 24 de fevereiro ("Universidade reprovada"). Em primeiro lugar, inexplicavelmente, o físico se esqueceu da educação a distância. No Brasil, por decisão autônoma, universidades federais e estaduais formam uma rede denominada Universidade Aberta do Brasil, que oferece cursos de graduação e pós-graduação a distância. Outro dado que escapou ao professor Brito é o total de formados no país. Em 2010, o Brasil superou a marca de 973 mil formados (quase três vezes mais do que em 2000), sendo 829 mil em cursos presenciais. 
Estranhamente, também, o professor Brito e a Folha utilizam a categoria administrativa "públicas" para dizer que Lula "não se sai 
bem" na educação superior e afirmar que houve diminuição no número de concluintes. Na verdade, nas universidades federais eram 72 mil em 2002. Foram 99 mil em 2010. Uma observação pertinente: um ingressante na educação superior pode levar quatro, cinco ou até seis anos, dependendo do curso, para ser um concluinte. Para se ter uma ideia, em 2004 a rede federal atendia 592 mil estudantes (49% do total de todas as públicas). Em 2010, atendia a 938 mil (57% do total das públicas). Não se pode ignorar, ainda, o aumento no número de ingressantes. Em 2004, 293 mil novos alunos ingressaram na rede pública de educação superior, sendo 127 mil na rede federal. Em 2010, eram 302 mil ingressantes na rede federal. Um acréscimo de 120% no período -a rede estadual cresceu somente 7%, e a rede municipal encolheu 28%. Mas o mais estranho em toda a análise é o professor Brito reclamar que os jovens de São Paulo não têm acesso às vagas públicas. No Estado, observamos um significativo aumento nas vagas federais, com a expansão da Unifesp e da UFSCar e a criação da UFABC. 
Ademais, o país faz um esforço 
enorme para tornar nacional a seleção às universidades federais. O jovem paulista, antes adstrito a algo em torno de 10 mil vagas nas públicas, agora possui acesso a mais de 140 mil vagas por ano, por causa do Sisu e da expansão das federais. Também na pós-graduação, a análise do professor Brito está propositalmente enviesada. Ela observa a taxa de crescimento anual, sabidamente um fator influenciado pelo tamanho dos números absolutos. Vejamos: entre 1998 e 2002, foram titulados 26.998 doutores, uma média de 5.400 titulados ao ano. No período entre 2006 e 2010, foram titulados 52.674 doutores, média de 10.535 ao ano. É praticamente o dobro do quinquênio anterior. Quem analisa a expansão do ensino superior no Brasil deve levar em consideração o número de ingressantes, o estoque total de matrículas e o tempo médio de conclusão dos cursos. Com todos os dados apresentados, é impossível negar que a expansão do ensino superior federal brasileiro está no rumo certo. JORGE GUIMARÃES, 73, é presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Foi docente em oito universidades brasileiras, entre elas a Unifesp, a UFRJ e a Unicamp.



Os investimentos na ciência 
Editorial
Gazeta do Povo, 28/02/2012 - Curitiba PR


O incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), ocorrido no sábado, causou duas mortes e a perda de um valioso material de pesquisa coletado neste verão. Além de avaliar os estragos e a estratégia para a volta da operação do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), será preciso que governo e comunidade científica discutam a necessidade dos investimentos realizados não somente na estação, mas na pesquisa científica das mais diversas áreas. A estação marca a presença brasileira na Antártida. Em atividade desde 1984, é fruto da visão de futuro pela compreensão da importância estratégica dessa região. O Tratado da Antártida, assinado em 1959 por 12 países – pelo Brasil em 1975 – define que aquele é um continente utilizado de forma pacífica, com uma política de cooperação internacional, facilitação de pesquisas científicas e sempre levando em conta a conservação dos recursos vivos. Um modelo vitorioso de cooperação internacional, que foi realçado no resgate aos ocupantes da estação brasileira. 
Seguindo essas regras, grupos de pesquisadores brasileiros vêm se dedicando nesses 30 anos a estudos de grande relevância mundial, como nas áreas de biodiversidade de peixes e aves e de biociência em geral, medidas de ozônio e monitoramentos meteorológicos. Com o incêndio, pesquisadores que atuaram no Proantar reforçam a importância de se modernizar o programa, não somente com a construção de uma nova estação mais segura, mas também com a utilização da estrutura disponível para fins científicos. O número de pessoas, perto de 60, estava acima do ideal, que é de 40. Fora isso, o Navio de Apoio Oceano­gráfico Ary Rongel, essencial às operações no continente gelado, está quebrado há quase dois meses, no Porto de Punta Arenas (Chile). Foi preciso um incidente grave para essas deficiências do programa aparecerem. Os danos para a atividade científica foram grandes. Estima-se que 70% dos laboratórios e todo o material para estudos recolhido no atual verão austral, e que devia servir de base para pesquisas durante todo o ano, tenham sido destruídos. 
Mas o problema crônico da atuação do Brasil na Antártida é a falta de estabilidade orçamentária do Proantar. Nos últimos anos a Presidência da República tem cortado orçamento do Ministério de Ciencia, Tecnologia e Inovação, atingindo todos os programas científicos. Neste ano, por exemplo, o corte feito em fevereiro no orçamento da pasta foi de 23%, com a perda de R$ 1,48 bilhão. Essa é a grande discussão que deve ser feita após o balanço do fato trágico: o Brasil deve investir em ciência e tecnologia se quiser realmente se firmar como um país desenvolvido. Com o corte orçamentário, a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência alerta para o perigo de o Brasil não conseguir cumprir as metas da Estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para os anos 2012-2015. É hora de o governo federal entender a necessidade de não somente reconstruir uma nova estação antártica – o que deve durar dois anos – como também voltar a investir fortemente em pesquisa científica e tecnológica. Sabe-se da dificuldade de se manter uma estação em um continente tão isolado e com todas as condições apresentadas. Mas é hora de reafirmar a importância da pesquisa antártica e de todas as instituições científicas que lá desenvolveram atividades ao longo desses 30 anos.


O que o mundo pode aprender com as escolas da Finlândia 
Pasi Sahlberg, ativista pelo melhoramento das escolas e diretor de um centro de estudos vinculado ao Ministério da Educação da Finlândia 
Agência O Globo


No “ranking” do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2009, aplicado em 65 países pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Finlândia alcançou o 3.º lugar. O país chama a atenção não só pelos bons resultados, mas por apresentar um modelo diferente dos outros líderes do levantamento: China e Coreia do Sul. No lugar de toneladas de exercícios e de um ritmo frenético de estudo, há pouco dever de casa na Finlândia e a maior preocupação é com a qualidade dos professores e dos ambientes de aprendizado. Não há avaliações periódicas padronizadas de alunos e docentes, que não recebem remuneração por desempenho. E todo o sistema escolar é financiado pelo Estado. Em seu livro, Finnish lessons: what can the world learn from educational change in Finland? (em uma tradução livre, Lições finlandesas: o que o mundo pode aprender com a mudança educacional na Finlândia?), Pasi Sahlberg, diretor de um centro de estudos vinculado ao Ministério da Educação daquele país, diz que o magistério é a carreira mais popular entre os jovens e que a transformação no Brasil deve começar pela igualdade de acesso a um ensino de qualidade. Leia os principais trechos da entrevista:

A Finlândia ocupa a 3.ª posição no “ranking” do Pisa. No entanto, nem sempre foi assim. Quando começou a transformação na educação finlandesa? 
A grande transformação do sistema educacional finlandês começou no início da década de 1970, quando foi criado o sistema de ensino obrigatório de nove anos. Todas as crianças do país passaram a estudar em escolas públicas parecidas e de acordo com o mesmo currículo nacional. O principal objetivo desse modelo era igualar a oportunidade de acesso a uma educação de qualidade e aumentar o nível educacional da população. Assim, a reforma educacional não foi guiada pelo sucesso escolar e, sim, pela democratização do acesso a escolas de qualidade. Esse movimento continuou nos anos 1990, com a necessidade de uma população mais preparada para o mercado de trabalho. 

Quais foram as bases da revolução educacional finlandesa? Quais são seus pontos fortes? 
O compromisso da sociedade finlandesa pela igualdade de acesso a uma educação de qualidade foi decisivo. A Finlândia, com seus 5 milhões de habitantes, não pode perder nenhum jovem. Todos precisam ter uma educação de qualidade. Os pontos fortes do sistema finlandês são o foco nas escolas, para que elas possam ajudar as crianças a ter sucesso; educação primária de alta qualidade, que dê uma base sólida para as etapas seguintes do aprendizado; e a formação de professores em universidades de ponta, que tornaram a profissão uma das mais populares entre os jovens finlandeses. 

No Brasil, muitas políticas públicas sofrem com a falta de continuidade. Isso acontece na Finlândia? O que fazer para garantir a continuidade? 
A Finlândia manteve uma política pública estável desde a década de 1970. Diferentes governos nunca tocaram nos princípios que nortearam a reforma, apenas fizeram um ajuste fino em alguns pontos. Essa ideia de uma escola pública de qualidade para todos os finlandeses foi um consenso nacional construído desde a Segunda Guerra Mundial. É o que no livro eu chamo de “sonho finlandês”. 

O mundo parece buscar uma fórmula mágica para a educação. Existe uma válida para todos? 
Não, não existe nenhuma fórmula mágica nem um milagre secreto na educação finlandesa. O que fizemos melhor do que outros países foi entender qual é a essência do bom ensino e do bom aprendizado. As crianças devem ser vistas como indivíduos que têm diferentes necessidades e interesses na escola. Ensinar deve ser uma profissão inspiradora com um grande propósito de fazer a diferença na vida dos jovens. Infelizmente, esses princípios básicos deram lugar a políticas regidas pelo mercado em vários países. Essa lógica de testar estudantes e professores direcionou os currículos e aumentou o tédio em milhões de salas de aula. A fórmula para uma reforma da educação em muitos países é parar de fazer essas coisas sem sentido e entender o que é importante na educação. 

O que foi feito na Finlândia e que poderia ser reproduzido em outros países em desenvolvimento, como o Brasil? 
A pergunta deve ser o que é possível aprender com a experiência finlandesa, não reproduzir. Primeiro, a experiência da Finlândia mostrou que é possível construir um modelo alternativo àquele que predomina nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países. Reformas guiadas pelo mercado, com foco em competição e privatizações, não são a melhor maneira de melhorar a qualidade e a equidade na educação. Segundo, é importante focar no bem-estar das crianças e no aprendizado da primeira infância. Só saudáveis e felizes elas aprenderão bem. Terceiro, a Finlândia mostrou que igualdade de oportunidades também produz um aumento na qualidade do aprendizado. É preciso que o Brasil combata essa desigualdade de acesso. Só um plano de longo prazo para a educação e compromisso político possibilitarão que os resultados sejam alcançados. 

Os professores ocupam um papel importante no sistema finlandês. Como prepará-los bem? Um salário atrativo é importante? 
Professores são profissionais de alto nível, como médicos ou economistas. Eles precisam de uma sólida formação teórica e treinamento prático. Em todos os sistemas educacionais de sucesso, professores são formados em universidades de excelência e possuem mestrado. O salário dos professores deve estar no mesmo patamar de outras profissões com o mesmo nível de formação no mercado de trabalho. Também é importante que professores tenham um plano de carreira, com perspectivas de crescimento e desenvolvimento. 

No Brasil, poucos jovens são atraídos pelo magistério. A carreira atrai muitos jovens na Finlândia?
O magistério é uma das profissões mais populares entre os jovens finlandeses. Todo ano, cerca de um a cada cinco alunos que terminam o ensino médio tem a carreira como primeira opção. Há dez vezes mais candidatos para programas de formação de docentes para educação infantil do que vagas nas universidades. A Finlândia tem o privilégio de poder controlar a qualidade dos professores na entrada e depois garantir que só os melhores e mais comprometidos serão aceitos nessa profissão nobre. 

A inclusão das novas tecnologias nas salas de aula vem sendo muito debatida. Como você vê esse processo? Como isso é feito na Finlândia? 
Tecnologia é parte das nossas vidas e é usada nas escolas finlandesas. Professores na Fin­­lândia usam tecnologia para ensinar de maneiras muito diferentes. Alguns a utilizam muito e outros raramente. A tecnologia é uma ferramenta, mas o foco continua sendo na pedagogia entre pessoas, sem tecnologia. A tecnologia não deve guiar o desenvolvimento educacional e, sim, ser uma ferramenta como várias outras. 

Retomando o título do seu livro, quais são, afinal, as principais lições do sistema de educação finlandês? 
A mais importante das lições é que há uma alternativa para se chegar ao sucesso prometido por reformas guiadas pelo mercado. A Finlândia é o antídoto a este movimento que impõe provas padronizadas, privatização de escolas públicas e remunera os professores com base em avaliações de desempenho que se tornou típico em diversos sistemas educacionais pelo mundo.

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